Deixem o século XIX no século XIX!
Ultimamente tenho me espantado com a quantidade de evangélicos que teimam em viver no século XIX. A estes, falta-lhes a coragem e a ousadia de Simonton e Blackford, mas sobra-lhes a agressividade dos embates entre Álvaro Reis e Carlos de Laet. Basta uma simples menção mesmo que tênue de algo que vagamente lembre o catolicismo romano para que os ânimos se exaltem e surjam os “guardiões da fé verdadeira”, prontos para o combate. É verdade que o início do protestantismo no Brasil não foi um mar de rosas... Ser protestante era sinônimo de ser herege, indigno de confiança, causa para rompimentos de relações familiares e de sociedades. Ao protestante era negado quase tudo, até mesmo um enterro digno, já que o solo sagrado não recebe hereges. Também é verdade que assim como ocorreu na igreja primitiva, a perseguição agiu como adubo para o protestantismo brasileiro. Calcados na fé e na coragem os missionários persistiram e inspiraram os convertidos à nova fé a fazerem o mesmo. Em poucos anos a semente do evangelho protestante foi brotando pelas brechas encontradas no solo católico brasileiro. A sede de conhecimento de Deus nutriu estas sementes que se tornaram igrejas fortes gerando diversos brotos e novas mudas. Hoje, entre protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais, somam-se cerca de 43 milhões de pessoas no Brasil. Mas a fonte que alimentava este crescimento alterou-se profundamente.
Um protestantismo que se formou em contraste com o catolicismo e que com o passar do tempo foi perdendo o contato com suas origens e seu fundamento: Cristo. Vejo nesses evangélicos que teimam em manter esta dicotomia radical do cristianismo uma estranha nostalgia dos tempos de perseguição religiosa que mais me parece um misto de ignorância com prepotência. Assusta-me o fato de muitos rotularem os pais da igreja como Agostinho e Tomás de Aquino como católicos (e portanto dentro de sua percepção distorcida como hereges) como se o protestantismo tivesse nascido através de uma geração espontânea a partir de Lutero! Esquecendo nossas raízes milenares, cria-se um vácuo entre o século I e o século XVI! Como se a perseguição à igreja primitiva tivesse sua continuidade imediata na perseguição aos reformados. E assim parecem acreditar que se são perseguidos é porque são mais santos. Quem dera ao menos isto os fizessem viver a vida de cristão como nossos antepassados, que viveram e morreram pelo seu testemunho. O constante revisitar das histórias sobre a igreja perseguida parece-me mais um incentivo a um “turismo de catacumbas”, onde os “turistas” por um tempo se emocionam com o sofrimento dos primeiros cristãos mas logo partem para outra atração turística esquecendo-se da anterior. Não há uma reflexão ou um aprendizado mas apenas uma reação emocional rápida e impensada. Se parece católico, é errado, é pecaminoso, é idólatra, é heresia! E assim o maior país cristão do planeta vai perpetuando uma divisão secular que impede qualquer possibilidade de união do corpo de Cristo. Ramos de videira que, desligados do tronco, secam sem produzir frutos.
Recordo de uma cena que seria impensável no século XIX, mas que ocorreu em 2013 na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Por um lado, um jovem levanta um cartaz com os dizeres: “Santo padre, sou evangélico, mas eu te amo! Ore por mim e pelo Brasil!”, por outro lado, o próprio Papa Francisco entra em uma Igreja da Assembléia de Deus em Manguinhos, ora e reparte o alimento com evangélicos ali reunidos. O que antes seria impensável, torna-se real quando a guarda é baixada, o denominacionalismo e os rótulos são deixados de lado e o cerne do coração é exposto. Quando vamos compreender a força que o cristianismo possui quando os cristãos, tal como no século I, se unem no que é essencial? É mais que chegada a hora de aceitar que a Palavra de Deus afirma que “o mesmo Senhor é Senhor de todos e abençoa ricamente todos os que o invocam.” (Romanos 10.12)